segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A Crise Econômica e o papel dos Direitos Humanos


O coração do capitalismo parou de bater?


Já não se trata de um simples susto, mas sim de um pânico geral. É assim que podemos resumir os efeitos da atual crise econômica. O que deveria ser, nas palavras dos analistas à serviço do capital, apenas uma queda normal das ações do setor imobiliário norte americano, já se alastrou para o mercado financeiro de toda a Europa, Ásia e América Latina, e já começa a afetar a economia real, com desemprego e queda na produção de alguns ramos.


Em apenas algumas semanas os dogmas neoliberais e de auto-regulamentação do mercado, que predominaram por toda a década de 90, começaram a ruir. Os que outrora discursavam a cerca do fim da História, do capitalismo como único regime possível e do fim da classe trabalhadora aparecem agora, de maneira tímida, tentando se justificarem. Outros preferem admitir seus equívocos e agora são ferrenhos defensores das doutrinas intervencionistas, principalmente do keynesianismo, como única forma de salvar o capitalismo.


Desse modo, nos últimos dias, governos de todo o mundo desesperadamente tentam tomar medidas e ações para aplacar os efeitos da crise. Talvez o exemplo mais emblemático seja o pacote de ajuda aos bancos que o governo norte-americano aprovou. Depois de uma crise política e racha dentro dos próprios partidos democrata e republicano, o presidente Bush conseguiu a liberação de 700 bilhões de dólares que serão utilizados para a compra de ações dos bancos que estão a beira da falência. É sempre importante lembrar que tal pacote de ajuda aos bancos se dá num marco onde o nível de desemprego bate recordes nos EUA, os trabalhadores perdem suas moradias e mais fábricas anunciam demissões. Ou seja, enquanto os trabalhadores norte americanos sofrem no dia-dia com a crise, o governo utiliza o dinheiro público para encher os bolsos dos banqueiros. E tudo isso feito sob a estrita observância do ordenamento jurídico, mostrando bem, dessa forma, a qual interesse a legalidade e as normas jurídicas servem.


E no Brasil, o que os trabalhadores e o povo pobre devem esperar?


As declarações do presidente Lula de que o Brasil está blindado da crise já se mostraram uma falácia. Puxada pela forte queda das bolsas norte americanas e européias, a Bolsa de São Paula (Bovespa) teve nos últimos dias os piores desempenhos de sua história. Foi, com toda certeza, uma pequena amostra de que não só o Brasil, mas todo o mundo, ainda é refém do maior mercado consumidor do mundo, os EUA.


Mas os efeitos da crise no Brasil não se restringem a queda na bolsa de valores, pois setores da economia real aqui também já demonstram suas debilidades. E a primeira região que foi afetada é a Zona Franca de Manaus, onde centenas de operários acabaram de ser demitidos. Além disso, várias montadoras de veículos da região do ABC já anunciaram férias coletivas, pois a produção anda baixa com a falta de crédito para a compra de veículos. Ainda não se sabe ao certo, mas ao que tudo indica, as filiais brasileiras deverão seguir o exemplo das espanholas e começar a demitir para cortar custos e se prepara para a crise.


O governo brasileiro, superando a fase do discurso da “blindagem”, também acaba de anunciar um pacote de ajuda aos bancos. Serão R$ 100 bilhões de reais destinados a aumentar a fluidez dos mercados financeiros e a ajudar bancos que estiverem com problemas. Tal verba, proveniente dos tributos pago pelos trabalhadores, é uma quantia bem a cima dos 13 bilhões que Lula reserva ao seu principal programa social, o Bolsa Família. Essa é a matemática do governo, migalhas à população pobre e somas estratosféricas aos banqueiros e especuladores.


A classe trabalhadora e povo pobre devem se preparar para tempos difíceis. O desemprego deve aumentar com as demissões em massa, o nível de exploração dentro das fábricas também, pois os patrões vão querer “acelerar as esteiras” para manterem seus lucros. No campo, cada vez mais incentivos ao Agronegócio em detrimento dos pequenos camponeses pobres. E com certeza cada vez mais os programas sociais e auxílios do Estado devem diminuir, pois o governo já mostrou que está bem disposto, se for preciso, a tirar o pouco dos pobres para garantir a fortuna dos ricos.


As reformas que visam retirar direitos (trabalhista, tributária e previdenciária) também só tendem a ser aceleradas. No campo do direito penal leis mais severas cujo objetivo é punir a juventude negra e pobre e esconder os reais motivos da violência e da criminalidade, também deverão ter suas aprovações aceleradas, garantindo, dessa forma, carta branca para que a polícia continue exercendo sua política de extermínio.


A educação e saúde pública, hoje já tão defasadas, cada vez mais ficarão secundarizadas, pois na visão do governo e dos empresários significam um mero gasto do dinheiro público e não um elementar direito do povo. Os capitalistas, para se salvarem da crise, estão dispostos a rasgar a Constituição brasileira e junto com ela os mínimos direitos da classe trabalhadora.


Defender os Direitos Humanos para que a crise não caia nas costas dos trabalhadores!




É nesse cenário que a luta pelos direitos humanos se mostra de extrema importância. Os direitos humanos, desde um ponto de vista da classe trabalhadora e do povo pobre, deve servir para auxiliar na luta contra a retirada dos direitos dos trabalhadores e contra a carestia de vida, que no contexto da crise econômica só tende a piorar.


Não podemos deixar que os empresários descarreguem nas costas dos trabalhadores e pobres os efeitos da crise causada por sua própria ganância. Não podemos aceitar que os capitalistas, passando por cima de todos os preceitos previstos nas normas que eles próprios redigem e aprovam, demitam em massa colocando milhares de trabalhadores nas ruas.


Sabemos, no entanto, que a classe trabalhadora não ficará passiva assistindo uma série de demissões, vendo seus salários se desvalorizarem e a polícia matar seus filhos. Mas ao se colocarem em luta os trabalhadores deverão se enfrentar com todo o tipo de repressão e violência por parte dos capitalistas, seja jurídica, política e principalmente física. È justamente nesse momento que os direitos humanos cumprem um papel fundamental contra a criminalização daqueles que lutam, fazem greves, ocupam terras e fábricas como única forma de sobreviver.


Defender os direitos humanos significa colocar todos os estudantes e profissionais que militam na área na perspectiva de solidariedade a todas as lutas da classe trabalhadora e do povo pobre, colocando nosso conhecimento técnico, teórico e prático para que não se recuem nos direitos e para que nenhum lutador do povo seja punido.

Os Direitos Humanos, os crimes da ditadura e o papel da esquerda.


“Por cada companheiro caído, não um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!”

Há alguns dias vem ganhando destaque na mídia a discussão a cerca da punição dos crimes cometidos pela ditadura militar. O debate ganhou fôlego depois das declarações feitas pelo ministro da justiça, Tarso Genro, e pelo secretário especial de direitos humanos, Paulo Vanucchi, que defenderam a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante o regime de exceção. No entanto, se apressaram em dizer que esse tema não deve ser prioridade para o executivo, o que já sinaliza a posição bem clara de Lula e dos demais membros do governo federal do PT de não tomar nenhuma medida para a punição dos bárbaros crimes cometidos contra estudantes, trabalhadores e militantes naquela época.

O regime militar brasileiro, iniciado em abril de 1964, se coloca no marco da ofensiva de determinados setores da burguesia brasileira, ligados diretamente com o imperialismo norte americano, contra as crescentes mobilizações da classe trabalhadora e do povo pobre em geral. Por mais de 20 anos o regime ditatorial perseguiu, torturou e matou milhares de pessoas. Em 1968 atingiu seu ápice totalitário com a decretação do ato institucional n° 5, que entre a eliminação de muitas garantias democráticas, fechou o Congresso e cassou uma série de políticos por serem considerados “progressistas”.

Durante todo esse período a classe operária, encabeçando o povo oprimido de conjunto, se colocou na luta contra esse regime. Primeiramente, se expressava na luta contra a política de arrocho salarial e por melhores condições de trabalho. As combativas greves de 68 em Osasco-SP e Contagem - MG são exemplos da radicalidade e disposição de luta dos trabalhadores nesse período. Era freqüente a palavra de ordem: “Abaixo a ditadura, o povo no poder”, que demonstra que os trabalhadores tinham a consciência de que era precisa colocar aquele regime abaixo e sob suas ruínas a construção de um poder operário e popular baseado nas combativas formas de auto-organização da classe trabalhadora que nasciam naquele momento. Mais tarde, já no final da década de 70, os combativos metalúrgicos de São Paulo e do ABC paulista protagonizarão massivas greves e manifestações, que assim como 68, começavam por demandas econômicas. Infelizmente, pelo papel que suas direções sindicais e políticas cumpriram, esses trabalhadores não puderam avançar até o patamar de um enfrentamento direto com o regime totalitário e na construção de uma verdadeira democracia dos trabalhadores. Vale destacar aqui o papel nefasto dos sindicalistas autênticos (que tinha em Lula sua maior figura) que não apoiavam a nascente auto-organização espontânea dos operários através das chamadas comissões de fábrica e lutaram até o final para eliminá-las, com o cínico argumento de que as comissões se contrapunham ao nascente sindicalismo. Esses sindicalistas, muitas vezes ovacionados por grande parte da esquerda, também impediam que a palavra de ordem “abaixo a ditadura” voltasse a se expressar, ao contrário, aumentavam as ilusões dos trabalhadores em uma constituinte democrática e cidadã dentro limites da legalidade burguesa.

Dessa forma foi se desenhando o que chamamos de “transição pactuada, lenta e gradual” para o regime político democrático burguês. A Lei n° 6.683 de 1979, conhecida como lei de anistia, foi expressão dessa transição pactuada. A grande maioria da esquerda naquele momento aceitou, ao invés de se apoiar nas lutas diretas da classe trabalhadora, em pactuar um acordo com os generais e a burguesia para colocar no mesmo patamar honestos militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura com os militares assassinos e torturadores, anistiando-os todos. A lei de anistia encarna a própria política de traição das direções do movimento de massa e também a adaptação de grande parte da dita esquerda revolucionária a esta política.

O novo “velho” Regime que se iniciaria mais tarde teria a nova Constituição Federal (CF) de 1988 como pilar de sustentação, constituição essa que assim como todas as anteriores garante a propriedade privada e transforma os poucos direitos fundamentais no que chamamos de princípios programáticos, ou seja, direitos progressistas que estão na constituição, mas não tem nenhuma eficácia imediata, e que por tanto nenhum trabalhador pode os reivindicá-los no âmbito da justiça. Ao contrário da esquerda reformista, que insiste no discurso vulgar e leviano de que a CF 88 é um avanço e fruto do que era possível de se lutar naquele momento, achamos que ela expressa as traições das direções do movimento de massa e sua conseqüente subordinação aos mecanismos democráticos burgueses. É nesse marco que devemos compreender a luta pela punição aos crimes da ditadura. Trata-se de um direito democrático elementar da população brasileira que simplesmente foi “vendido” pela esquerda petista em troca de um lugar no novo regime político e algumas cadeiras no parlamento.

É preciso compreender a luta pelos direitos humanos desde um ponto de vista classista e tático, ou seja, os direitos humanos pelos quais lutamos vai muito além dos velhos preceitos escritos na revolução francesa e mais tarde repetidos pela carta de declaração dos direitos humanos das Nações Unidas, em 1948. Quando a luta pelos direitos humanos se reduz aos limites da legalidade e na atuação através de ações no judiciário fica desprovida de qualquer conteúdo e passa a ser mais uma válvula que alimenta as ilusões na justiça burguesa. Nesse caso vale um velho princípio do processo civil que diz que o Juiz não pode mover uma ação de ofício, ou seja, por conta própria, é preciso que haja manifestação da parte. Por tanto cabe as organizações, movimentos sociais e partidos de esquerda garantir essa manifestação. O caráter tático do direito nesse campo é importante para a fundamentação e a garantia dos trâmites processuais, todavia a certeza da punição dos torturadores só estará completa quando a classe trabalhadora e povo pobre, com seus próprios métodos de luta e organização, se colocar a frente de massivas mobilizações nas ruas, fábricas e universidades, de maneira independente de todos os setores burgueses que cinicamente dizem defender os direitos humanos. Vale lembrar que todos os julgamentos que condenaram os genocidas do regime militar na Argentina, país latino americano mais avançado nesse quesito, se iniciaram a partir de ações judiciais, mas só se desenvolveram e lograram sucesso com a mobilização popular massiva.

Não podemos também ficar a mercê de setores reformistas, como Tarso e Vanucchi, que defendem a punição com o fundamento de que as torturas foram crimes comuns que desrespeitaram o próprio ordenamento jurídico do regime militar. Aceitar isso significa ser complacente com a legalidade ditatorial e não compreender que essa política de extermínio era proveniente do próprio Estado e era funcional ao regime daquele momento. É por isso que é necessário punir todos os participantes desses atos horrendos, desde os executores aos mais altos generais que comandavam as operações, desde um ponto de vista de que foram crimes de genocídio e contra a humanidade, garantindo uma ferrenha punição e cárcere comum aos torturadores. Muitos desses coronéis e militares assassinos continuam atuando até hoje, são os mesmos que comandam as operações que assassinam a juventude pobre e negra nas periferias brasileiras. Também não podemos esquecer que por trás dos militares estava a burguesia que patrocinava e acobertava os crimes. Esses empresários e empresas continuam até hoje lucrando e seguem impunes. A “Rede Globo de televisão”, o jornal “ O Estado de S.Paulo”, algumas montadoras de automóveis do ABC, entre muitas empresas, são exemplos disso. É necessário punir essas empresas e expropriar seus bens para garantir a indenização aos familiares dos presos políticos. Nos marcos da lei de anistia isso é impossível, por isso, também lutamos pela sua revogação, pois não podemos conviver sob a base dessa lei que representa o pacto com os torturadores. Reiteramos que apenas a mobilização da classe trabalhadora e do povo, de maneira independente, poderá garantir punição a todos os genocidas, torturadores e seus cúmplices capitalistas.

Nesse sentido, fazemos um chamado ao NEDA, à organização Consulta Popular, ao NATRA e à todas as entidades estudantis da UNESP Franca para uma ampla campanha para propagandear o tema e que exija a punição aos crimes cometidos pela ditadura militar, colocando-os no seu verdadeiro lugar, como crimes de genocídio e contra a humanidade.

Rafael Borges 4° ano direito diurno
Militante da Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional (LER-QI) e membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Unesp-Franca.