segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Os Direitos Humanos, os crimes da ditadura e o papel da esquerda.


“Por cada companheiro caído, não um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!”

Há alguns dias vem ganhando destaque na mídia a discussão a cerca da punição dos crimes cometidos pela ditadura militar. O debate ganhou fôlego depois das declarações feitas pelo ministro da justiça, Tarso Genro, e pelo secretário especial de direitos humanos, Paulo Vanucchi, que defenderam a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante o regime de exceção. No entanto, se apressaram em dizer que esse tema não deve ser prioridade para o executivo, o que já sinaliza a posição bem clara de Lula e dos demais membros do governo federal do PT de não tomar nenhuma medida para a punição dos bárbaros crimes cometidos contra estudantes, trabalhadores e militantes naquela época.

O regime militar brasileiro, iniciado em abril de 1964, se coloca no marco da ofensiva de determinados setores da burguesia brasileira, ligados diretamente com o imperialismo norte americano, contra as crescentes mobilizações da classe trabalhadora e do povo pobre em geral. Por mais de 20 anos o regime ditatorial perseguiu, torturou e matou milhares de pessoas. Em 1968 atingiu seu ápice totalitário com a decretação do ato institucional n° 5, que entre a eliminação de muitas garantias democráticas, fechou o Congresso e cassou uma série de políticos por serem considerados “progressistas”.

Durante todo esse período a classe operária, encabeçando o povo oprimido de conjunto, se colocou na luta contra esse regime. Primeiramente, se expressava na luta contra a política de arrocho salarial e por melhores condições de trabalho. As combativas greves de 68 em Osasco-SP e Contagem - MG são exemplos da radicalidade e disposição de luta dos trabalhadores nesse período. Era freqüente a palavra de ordem: “Abaixo a ditadura, o povo no poder”, que demonstra que os trabalhadores tinham a consciência de que era precisa colocar aquele regime abaixo e sob suas ruínas a construção de um poder operário e popular baseado nas combativas formas de auto-organização da classe trabalhadora que nasciam naquele momento. Mais tarde, já no final da década de 70, os combativos metalúrgicos de São Paulo e do ABC paulista protagonizarão massivas greves e manifestações, que assim como 68, começavam por demandas econômicas. Infelizmente, pelo papel que suas direções sindicais e políticas cumpriram, esses trabalhadores não puderam avançar até o patamar de um enfrentamento direto com o regime totalitário e na construção de uma verdadeira democracia dos trabalhadores. Vale destacar aqui o papel nefasto dos sindicalistas autênticos (que tinha em Lula sua maior figura) que não apoiavam a nascente auto-organização espontânea dos operários através das chamadas comissões de fábrica e lutaram até o final para eliminá-las, com o cínico argumento de que as comissões se contrapunham ao nascente sindicalismo. Esses sindicalistas, muitas vezes ovacionados por grande parte da esquerda, também impediam que a palavra de ordem “abaixo a ditadura” voltasse a se expressar, ao contrário, aumentavam as ilusões dos trabalhadores em uma constituinte democrática e cidadã dentro limites da legalidade burguesa.

Dessa forma foi se desenhando o que chamamos de “transição pactuada, lenta e gradual” para o regime político democrático burguês. A Lei n° 6.683 de 1979, conhecida como lei de anistia, foi expressão dessa transição pactuada. A grande maioria da esquerda naquele momento aceitou, ao invés de se apoiar nas lutas diretas da classe trabalhadora, em pactuar um acordo com os generais e a burguesia para colocar no mesmo patamar honestos militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura com os militares assassinos e torturadores, anistiando-os todos. A lei de anistia encarna a própria política de traição das direções do movimento de massa e também a adaptação de grande parte da dita esquerda revolucionária a esta política.

O novo “velho” Regime que se iniciaria mais tarde teria a nova Constituição Federal (CF) de 1988 como pilar de sustentação, constituição essa que assim como todas as anteriores garante a propriedade privada e transforma os poucos direitos fundamentais no que chamamos de princípios programáticos, ou seja, direitos progressistas que estão na constituição, mas não tem nenhuma eficácia imediata, e que por tanto nenhum trabalhador pode os reivindicá-los no âmbito da justiça. Ao contrário da esquerda reformista, que insiste no discurso vulgar e leviano de que a CF 88 é um avanço e fruto do que era possível de se lutar naquele momento, achamos que ela expressa as traições das direções do movimento de massa e sua conseqüente subordinação aos mecanismos democráticos burgueses. É nesse marco que devemos compreender a luta pela punição aos crimes da ditadura. Trata-se de um direito democrático elementar da população brasileira que simplesmente foi “vendido” pela esquerda petista em troca de um lugar no novo regime político e algumas cadeiras no parlamento.

É preciso compreender a luta pelos direitos humanos desde um ponto de vista classista e tático, ou seja, os direitos humanos pelos quais lutamos vai muito além dos velhos preceitos escritos na revolução francesa e mais tarde repetidos pela carta de declaração dos direitos humanos das Nações Unidas, em 1948. Quando a luta pelos direitos humanos se reduz aos limites da legalidade e na atuação através de ações no judiciário fica desprovida de qualquer conteúdo e passa a ser mais uma válvula que alimenta as ilusões na justiça burguesa. Nesse caso vale um velho princípio do processo civil que diz que o Juiz não pode mover uma ação de ofício, ou seja, por conta própria, é preciso que haja manifestação da parte. Por tanto cabe as organizações, movimentos sociais e partidos de esquerda garantir essa manifestação. O caráter tático do direito nesse campo é importante para a fundamentação e a garantia dos trâmites processuais, todavia a certeza da punição dos torturadores só estará completa quando a classe trabalhadora e povo pobre, com seus próprios métodos de luta e organização, se colocar a frente de massivas mobilizações nas ruas, fábricas e universidades, de maneira independente de todos os setores burgueses que cinicamente dizem defender os direitos humanos. Vale lembrar que todos os julgamentos que condenaram os genocidas do regime militar na Argentina, país latino americano mais avançado nesse quesito, se iniciaram a partir de ações judiciais, mas só se desenvolveram e lograram sucesso com a mobilização popular massiva.

Não podemos também ficar a mercê de setores reformistas, como Tarso e Vanucchi, que defendem a punição com o fundamento de que as torturas foram crimes comuns que desrespeitaram o próprio ordenamento jurídico do regime militar. Aceitar isso significa ser complacente com a legalidade ditatorial e não compreender que essa política de extermínio era proveniente do próprio Estado e era funcional ao regime daquele momento. É por isso que é necessário punir todos os participantes desses atos horrendos, desde os executores aos mais altos generais que comandavam as operações, desde um ponto de vista de que foram crimes de genocídio e contra a humanidade, garantindo uma ferrenha punição e cárcere comum aos torturadores. Muitos desses coronéis e militares assassinos continuam atuando até hoje, são os mesmos que comandam as operações que assassinam a juventude pobre e negra nas periferias brasileiras. Também não podemos esquecer que por trás dos militares estava a burguesia que patrocinava e acobertava os crimes. Esses empresários e empresas continuam até hoje lucrando e seguem impunes. A “Rede Globo de televisão”, o jornal “ O Estado de S.Paulo”, algumas montadoras de automóveis do ABC, entre muitas empresas, são exemplos disso. É necessário punir essas empresas e expropriar seus bens para garantir a indenização aos familiares dos presos políticos. Nos marcos da lei de anistia isso é impossível, por isso, também lutamos pela sua revogação, pois não podemos conviver sob a base dessa lei que representa o pacto com os torturadores. Reiteramos que apenas a mobilização da classe trabalhadora e do povo, de maneira independente, poderá garantir punição a todos os genocidas, torturadores e seus cúmplices capitalistas.

Nesse sentido, fazemos um chamado ao NEDA, à organização Consulta Popular, ao NATRA e à todas as entidades estudantis da UNESP Franca para uma ampla campanha para propagandear o tema e que exija a punição aos crimes cometidos pela ditadura militar, colocando-os no seu verdadeiro lugar, como crimes de genocídio e contra a humanidade.

Rafael Borges 4° ano direito diurno
Militante da Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional (LER-QI) e membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Unesp-Franca.

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