quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O combate aos atos anti-sindicais no ordenamento jurídico brasileiro

Jorge Luiz Souto Maior(*)
Alessandro da Silva(**)

A democracia é uma instituição tão antiga quanto maltratada. É fácil preconizar-se democrata. É fácil atacar todo tipo de autoritarismo. Difícil, no entanto, possibilitar o efetivo exercício da democracia. Esta exige o convívio com a liberdade de manifestação e com a defesa pública de interesses determinados.
Mas, em termos de relações de trabalho, por exemplo, a democracia está por ser construída. Do ponto de vista histórico, têm sido enormes as dificuldades dos trabalhadores para se constituírem como classe social e para defenderem os seus interesses.
Para se ter uma idéia, na França, no auge da formação do Estado Liberal, cuja ideologia era a defesa da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, foi editada a famosa Lei Le Chapelier, de 14 de junho de 1791, que proibiu todas as formas de associação de trabalhadores (sindicatos) e as greves, sendo revogada somente em 25 de maio de 1864.
Mesmo na Inglaterra, berço dos movimentos operários, a greve só deixou de ser considerada um delito em 1825.
No Brasil, o Código Penal de 1890 arrolava dentre os crimes contra a liberdade de trabalho a associação operária e a paralisação do trabalho visando aumento de salário[1]:Art. 206. Causar, ou provocar, cessação ou suspensão de trabalho, para impor aos operarios ou patrões augmento ou diminuição de serviço ou salario:Pena - de prisão cellular por um a três mezes.§ 1º Si para esse fim se colligarem os interessados:Pena - aos chefes ou cabeças da colligação, de prisão cellular por dous a seis mezes.§ 2º Si usarem de violencia:Pena - de prisão cellular por seis mezes a um anno, além das mais em que incorrerem pela violencia.A Constituição Federal de 1937 foi a primeira a fazer previsão expressa à greve, sendo que seu art. 139 – que criava a Justiça do Trabalho – preconizava: “a greve e o lock-out são declarados recursos anti-sociais nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.O art. 158 da Constituição Federal de 1946, avançando a respeito do tema, estabeleceu que “é reconhecido o direito de greve, cujo exercício a Lei regulará”.A Constituição Federal de 1967 manteve a greve como direito, mas a proibiu nos serviços públicos e atividades essenciais definidas em lei.Por fim, o art. 9º da Carta Política de 1988 dispôs que:Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.E, garantiu aos servidores públicos, igual direito (incisos VI e VII, do art. 37):VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical;VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).Visando avançar, concretamente, na matéria, diante da notória falência democrática que representa obstáculo quase intransponível para o efetivo exercício da atividade sindical, nossa legislação considerou anti-sindicais e, como tais, ilícitos, os atos do empregador que visem a impedir ou limitar o exercício da greve.Nesse tipo se enquadram as represálias levadas a cabo pelo empregador contra empregado que participou de greve, conforme esclarece Raimundo Simão de Melo:Essas represálias podem consistir em atos discriminatórios, em punições (advertências, suspensões, demissões com ou sem justa causa), além de outros atos prejudiciais ao empregado, como alijamento de promoções, perseguições, assédio moral, etc.Tais atos são ilegais, portanto considerados como atos anti-sindicais, quando praticados pelos trabalhadores em greve lícita. É por esse motivo que atentam contra a liberdade sindical de organização e de defesa dos interesses dos trabalhadores[2].A Convenção 98 da OIT, que trata da liberdade sindical, estabelece a necessidade proteção do empregado contra atos discriminatórios decorrentes da atividade sindical:Artigo 11. Os trabalhadores gozarão de adequada proteção contra atos de discriminação com relação a seu emprego.2. Essa proteção aplicar-se-á especialmente a atos que visem:a) sujeitar o emprego de um trabalhador à condição de que não se filie a um sindicato ou deixe de ser membro de um sindicato;b) causar a demissão de um trabalhador ou prejudicá-lo de outra maneira por sua filiação a um sindicato ou por sua participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante o horário de trabalho. (grifamos)Ocorre que nossa legislação ordinária não estabeleceu quais os efeitos dos atos anti-sindicais e discriminatórios praticados pelo empregador.
Em tais circunstâncias, estamos diante de uma lacuna, isto é, de uma incompletude insatisfatória no sistema, nas palavras de Karl Engish[3]. Assim, uma norma que se faz necessária não foi expressamente tratada pela lei.
Mas, o Direito, como se sabe, não se faz apenas de artigos de leis. Identificada a lacuna sobre tema de relevância social abre-se a porta para a incidência dos mecanismos jurídicos de integração do ordenamento, como preconiza o 4º., da Lei de Introdução do Código Civil: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”
No âmbito trabalhista, o artigo 8º da CLT, igualmente prevê que a analogia é fonte do Direito. A analogia, segundo lição clássica, consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante[4]. Para tanto, é necessário que exista uma semelhança relevante entre ambas as situações comparadas, o que autoriza a aplicação analógica da norma, conforme esclarece Norberto Bobbio:Para que se possa tirar a conclusão, quer dizer, para fazer a atribuição ao caso não regulamentado das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado semelhante, é preciso que entre os dois casos exista não uma semelhança qualquer, mas uma semelhança relevante, é preciso ascender dos dois casos a uma qualidade comum a ambos, que seja ao mesmo tempo a razão suficiente pela qual ao caso regulamentado foram atribuídas aquelas e não outras conseqüências[5].Ora, a Lei 9.029/95 coíbe as práticas discriminatórias para efeito de admissão ou de manutenção da relação de emprego por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.
A conduta que a Lei 9.029/95 visa a desestimular é a discriminação e esta também se faz presente nas práticas anti-sindicais, de modo que ao empregado despedido por ter participado de movimento paredista, ou por ter se apresentado um sindicalista atuante, podem ser aplicadas as determinações do art. 4º dessa lei, in verbis:Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, faculta ao empregado optar entre:
I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.Não se pode esquecer, ademais, que a própria Constituição brasileira, baseada em ideais democráticos e que fixou como preceitos fundamentais, a cidadania, o valor social do trabalho e a proteção da dignidade humana, proibiu a prática de discriminações como óbice à promoção do bem de todos ou à construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º.).
A greve, como expressão da liberdade, mecanismo de se fazer ouvir, para reivindicar ou defender interesses considerados relevantes para a classe trabalhadora, não pode ser alvo de represálias, de intimidações, sob pena de se negar vigência à democracia como princípio fundamental da República.
Importante perceber que o sistema capitalista de produção, por ocasião dos movimentos revolucionários de natureza socialista, viu-se profundamente abalado e a partir de então resolveu dialogar com os trabalhadores melhores condições de vida dentro do próprio modelo capitalista. Dentro desse contexto, a greve passou a ser lícita, e mais, passou a ser um instrumento importante da preservação do próprio sistema. Trabalhadores em greve querem melhores condições de trabalho e, conseqüentemente, não almejam a subversão da ordem política.
O ordenamento jurídico brasileiro, que preserva a ordem capitalista, portanto, só pode mesmo ser totalmente contrário às atitudes que visam aniquilar o diálogo entre o capital e o trabalho por meio da greve, já que as repressões ao direito sindical contrariam a própria lógica de sustentabilidade do sistema, impulsionando as atitudes revolucionárias.A reivindicação de direitos trabalhistas e a defesa de interesses considerados importantes pelos trabalhadores por meio da greve são, por conseguinte, as essências democráticas do Estado Social dentro da lógica capitalista.
A punição de trabalhadores, por sua atuação sindical, constitui grave agressão à ordem jurídica e uma vez demonstrada (presumível em certas circunstâncias, já que os atos de discriminação nunca se auto-declaram) dá ensejo à configuração da prática de ato anti-sindical, caracterizado como crime em diversos países, incluindo o mais avesso à regulação do trabalho que são os EUA. No nosso caso, do Brasil, não se requer um dispositivo específico para este fim, visto que se trata de afronta direta à Constituição da República, como demonstrado.
Os casos que ponham em risco a liberdade sindical são, portanto, de enorme significação para a sociedade brasileira e constituem relevantes desafios para o Poder Judiciário, quando chamado a se manifestar a respeito, sendo certo que o Estado Brasileiro não pode mais se omitir quanto ao compromisso, internacionalmente assumido, de implementar política eficaz de combate aos atos anti-sindicais, segundo advertência já feita pelo Comitê de Liberdade Sindical da OIT, em 2007.Do ponto de vista da atuação jurisdicional, os juízes do trabalho brasileiros, reunidos na 1ª. Jornada de Direito do Trabalho, realizada na sede do Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, em novembro de 2007, aprovaram, a respeito do tema, o Enunciado n. 25, com o seguinte teor:CONDUTA ANTI-SINDICAL. PARTICIPAÇÃO EM GREVE. DISPENSA DO TRABALHADOR. A dispensa de trabalhador motivada por sua participação lícita na atividade sindical, inclusive em greve, constitui ato de discriminação anti-sindical e desafia a aplicação do art. 4º da Lei 9.029/95, devendo ser determinada a "readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas" ou "a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento" sempre corrigidas monetariamente e acrescida dos juros legais.[6]



(*) Professor da Faculdade de Direito da USP e Juiz do Trabalho na 15ª. Região – Campinas.

(**) Juiz do Trabalho na 12ª. Região – Santa Catarina.


[1] Foram mantidas as regras gramaticais da época.

[2] MELO, Raimundo Simão de. A greve no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 2006, p. 64.

[3] ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 9ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 276.

[4] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 169.

[5] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. p. 153.

domingo, 11 de janeiro de 2009

ABAIXO O MASSACRE DE ISRAEL NA FAIXA DE GAZA


Já está difícil até mesmo para qualquer meio de comunicação conservador esconder: o que está acontecendo no Oriente Médio, mais precisamente na Faixa de Gaza, é a prática de genocídio contra a população palestina. A cada minuto que passa, o número de mortos pelas bombas de Israel se torna impreciso, pois este não pára de aumentar. Até o momento o número oficial de mortos já passa dos 800, sendo centenas de crianças. Nem mesmo a ONU, órgão internacional totalmente atrelado aos interesses dos EUA e de Israel, consegue omitir tais números.
Mas o que nem a ONU e nenhum outro organismo internacional de direitos humanos faz questão de deixar público é que a população palestina da Faixa de Gaza há anos vive sem as mínimas condições de vida e à margem de qualquer garantia de seus mínimos direitos. Cerca de 80% da população vive abaixo da linha da pobreza, e além disso a taxa de desemprego atinge assustadores 65% da população economicamente ativa da região. Em outras palavras, o que já era uma crise humanitária de grandes proporções, com o massacre que Israel vem levando à cabo, tem se transformado numa catástrofe de dimensões imensuráveis. A pequena região que tem uma população de 1,5 milhão de habitantes e 60% de suas crianças desnutridas é hoje, por força da política assassina de Israel, um grande gueto, onde não se pode sair e nem entrar, nem mesmo a ajuda humanitária. Já é quase inevitável a comparação com os guetos onde os judeus eram confinados pelo exército Nazista durante a Segunda Guerra Mundial.
Mesmo assistindo a todas essas atrocidades muitos organismos, internacionais e nacionais, de direitos humanos insistem em tratá-las como mais uma guerra convencional, onde os dois lados se atacam mutuamente. E isso tem sido a carta branca à Israel para continuar prosseguindo seu extermínio.
Já os EUA tem assistido o massacre de “camarote” apenas anunciando que faria o mesmo caso estivesse ameaçado. E não poderia ser diferente, pois é fato notório que Israel é um Estado armado e financiado para defender os interesses norte americanos no Oriente Médio. Um Estado que já nasceu à base da legalização do racismo e do genocídio. Onde as leis restringem o casamento entre judeus e moradores das regiões ocupadas (não-judeus) e a posse de terra, ainda que comprada, aos palestinos.
Nosso núcleo repudia veementemente os ataques de Israel. Defendemos a paz para a região, todavia não temos nenhuma ilusão de que esta virá pelas mãos de Israel, dos EUA ou da ONU. Também não defendemos uma paz, onde cessadas as bombas, a população palestina padeça na miséria e com o racismo de Israel.
Desde já expressamos nosso repúdio aos ataques de Israel e nos colocamos em defesa do direito dos palestinos se defenderem.
Por fim, chamamos todos os grupos, núcleos e órgãos de direitos humanos a se somar na luta contra o massacre de Israel e na defesa do povo palestino de Gaza. E como primeiro passo nessa luta devemos juntos exigir que o Governo Lula, que se diz defensor dos países e nações pobre do mundo, a romper imediatamente relações políticas e comerciais com o estado de Israel em repúdio ao massacre.

Contra a demissão arbitrária, ilegal e antisindical do companheiro Brandão

No dia 08 de dezembro, Claudionor Brandão, dirigente sindical da USP e conhecida figura na luta pelos direitos da classe trabalhadora, foi demitido por "justa causa" pela reitoria. O que a reitoria não diz é que esta "justa causa" é exatamente as lutas e greves que Brandão ajudou a construir nos últimos anos para defender salários mais justos, mais direitos e o fim da precarização do trabalho na USP.
A demissão de Brandão não é um fato isolado, pelo contrário, há muito estamos acompanhando uma série de demissões de importantes lideranças sindicais. Faz parte de uma política milimetricamente orquestrada pelo Governo, patrões e burocracias acadêmicas para atacar os mais elementares direitos sindicais, enfraquecendo dessa forma as lutas do conjunto da classe trabalhadora.
Esse ato da reitoria contraria todos os príncipios da Constituição Federal e da CLT que garantem proteção e estabilidade aos dirigentes sindicais e também o direito ao exercício de greve. Mais uma amostra de que o governo, patrões e burocratas acadêmicos estão dispostos a "passar por cima da lei" quando se trata de proteger seus interesses e privilégios.
Desde o nosso ponto de vista essa demissão representa um grave atentado contra os direitos humanos, pois como já é consolidado, estes também abrangem as garantias e proteções ao trabalho e aos trabalhadores.
Chamamos todas as organizações de defesa dos trabalhadores e de Direitos Humanos, com especial chamado à RENAP e REPED para que possamos exigir a imediata reincorporação do companheiro Brandão.

http://contraademissaodebrandao.blogspot.com/

Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Tirem as mãos dos direitos da classe trabalhadora!


Ao contrário dos argumentos que a mídia vem levantando, a crise econômica atual não pode ser encarada como algo normal, ou mesmo, como um peso necessário com que os trabalhadores e pobres devem arcar juntamente com seus patrões. Essa crise, na realidade, está intrinsecamente ligada às medidas tomadas pela burguesia nas últimas duas décadas para sair da crise econômica de grande proporção que houve na década de 70. Essas medidas, que ficaram conhecidas como agenda neoliberal, foram necessárias justamente por que o programa Keynesiano de intervenção estatal na economia, que hoje volta a ser tão reivindicado pelas “viúvas de Keynes”, se mostrou insuficiente para fazer com que as taxas de lucro da burguesia voltassem a crescer. Todavia, essas medidas neoliberais ainda que num primeiro momento lograram sucesso, acabaram por acelerar os elementos de crise estrutural do capitalismo.


O entendimento dessa lógica é parte crucial para que nós compreendamos a necessidade de nos organizarmos para garantir que não sejam os trabalhadores, pobres e a juventude quem pague os prejuízos dessa crise causada pela ganância dos empresários. Por tanto, nossa luta deve partir da seguinte palavra de ordem: Não pagaremos pela sua crise!
E essas palavras se fazem de extrema importância haja vista as medidas que as entidades patronais vêm anunciando como solução para escapar da crise, em outras palavras, medidas que permitirão transferir “com eficiência” as perdas econômicas para os bolsos dos trabalhadores e pobres brasileiros. Cabe aqui então, iniciarmos uma reflexão a cerca de uma parte importante desses ataques patronais. São as chamadas reformas neoliberais. Vejamos as mais importantes.


A primeira delas é a chamada reforma trabalhista. Nos últimos dias a discussão sobre a aprovação dessa reforma voltou à tona nos noticiários e editoriais dos jornais. Todos partiam do cínico argumento de que nossa legislação trabalhista, principalmente a CLT, é demasiadamente “arcaica” e protecionista. Sendo assim, acabam por impedir que o Brasil seja mais competitivo, continue crescendo economicamente e escape dos efeitos da crise mundial. Ou seja, para os patrões e empresários brasileiros a solução para escapar da crise e garantir o crescimento econômico (leia-se mais lucros ao patronato) seria justamente cortar os mais elementares direitos e garantias que os trabalhadores conseguiram ao longo de décadas de muitas lutas. Entre muitas propostas que essa reforma traz, algumas são ataques mais velados, como o fim da negociação coletiva (enfraquecendo dessa forma as entidades da classe trabalhadora e propiciando mais flexibilização dos direitos através da pressão individual do contrato de trabalho), mas também existem ataques mais claros como a proposta do fim do 13° salário (enquanto os deputados federais ganham até 15° salário) e da licença maternidade, entre outros. No entanto, as entidades patronais e o governo sabem que tais medidas provocariam uma resposta por parte dos trabalhadores, e então adotaram a sistemática de aprovar tais reformas de maneira fragmentada. É o caso da Lei complementar 123/06 que instituiu o SUPERSIMPLES, um plano que permite, entre outras coisas, que as micro e pequenas empresas flexibilizem alguns direitos trabalhistas. Uma rápida leitura do seu artigo 51 deixa claro tal fato:
Seção II
Das Obrigações Trabalhistas
Art. 51. As microempresas e as empresas de pequeno porte são dispensadas:
I – da afixação de Quadro de Trabalho em suas dependências;
II – da anotação das férias dos empregados nos respectivos livros ou fichas de registro;
III – de empregar e matricular seus aprendizes nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem;
IV – da posse do livro intitulado “Inspeção do Trabalho”; e
V – de comunicar ao Ministério do Trabalho e Emprego a concessão de férias coletivas.

Vale lembrar que 60% da classe trabalhadora brasileira hoje está em empresas classificadas como micro e pequena. A reforma trabalhista e o Super Simples vão a sentido oposto aos direitos sociais e de proteção ao trabalhador que garante a Constituição Federal de 1988 no seu artigo 7°. Vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
X - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98:

Mais uma vez fica claro que os patrões e empresários estão dispostos a “passar por cima” das mínimas garantias constitucionais quando se trata de manter seus altos lucros.
Nesse mesmo caminho está a reforma tributária cujo projeto já está tramitando no Congresso nacional. Trata-se na verdade de uma série de orientações diretas do FMI, BID e entidades patronais nacionais que visam desonerar a carga tributária das empresas, através da extinção de uma série de tributos que os patrões arcam hoje, e em contrapartida, aumentar a arrecadação através de tributos ligados ao consumo de primeira ordem, ou seja, atingindo exatamente o bolso dos mais pobres.


Ainda que não iremos encerrar o rol de reformas neoliberais, não poderíamos deixar de citar, ainda que sucintamente, mais duas delas: A reforma da previdência e a reforma sindical.
No caso da primeira é importante dizer que já teve uma de suas partes aprovada pelo Congresso e sancionada pelo governo Lula em 2004. Ainda que tal reforma apresente uma série de medidas complexas que não conseguiríamos encerrar o debate nesse breve texto, podemos concordar que em última instância traz consigo uma maior dificuldade para que os trabalhadores alcancem suas aposentadorias (aumentando o tempo de contribuição) e que consigam a liberação de auxílios e pensões. È a tentativa mais ousada de “preparar o terreno” para a privatização de todo o sistema previdenciário brasileiro.


Finalizando a lista das reformas neoliberais que queremos pincelar nesse trabalho, encontra-se aquela que para nós é a base para a aplicação de todas as demais: A reforma sindical. E sustentamos isso, pois seu conteúdo tem por base o enfraquecimento e o maior atrelamento ao Estado das entidades sindicais, justamente essas que deveriam organizar e preparar o conjunto dos trabalhadores para resistir à todos essas ataques. Essa reforma é um trabalho científico exercido pelo Governo e empresários para amarrar as organizações operárias ao aparato burocrático estatal minando-as de qualquer política de resistência.
Está mais do que claro que as reformas neoliberais e todas as medidas que de alguma forma retiram direitos sociais da classe trabalhadora são um claro atentado contra os Direitos Humanos. Por tanto, a defesa dos direitos elementares da classe trabalhadora é parte essencial da luta pelos Direitos Humanos.


Mais uma vez os estudantes de Direito são chamados a se posicionar


O atual cenário, que tentamos expor sucintamente acima, mostra como cada vez mais os estudantes de Direito, e também todos aqueles que defendem os direitos humanos, devem romper com o velho espírito de apatia que primava na década de 90 e se posicionar frente a discussões que dizem respeito aos problemas mais sensíveis da classe trabalhadora e do povo pobre. E essa nova postura deve começar dentro da Universidade, pois é justamente aí onde são pensadas e criadas as concepções e medidas que acabam por precarizar e aumentar o grau de exploração a que a classe trabalhadora é sujeitada. Acreditamos, todavia que é possível reverte esse quadro desde que tenhamos uma postura de disputar a universidade e os cursos de Direito para que estes estejam voltados a contribuir para avançar na ampliação dos direitos da classe trabalhadora e no combate a qualquer tipo de repressão que recaia sobre aqueles que lutam por melhores condições de vida.


Justamente por compartilharmos dessa concepção e da defesa dos direitos humanos desde um ponto de vista dos trabalhadores é que impulsionamos na UNESP de Franca o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. Queremos ser uma alternativa para os estudantes de direito que querem colocar seu conhecimento à serviço dos explorados, começando por estudar, debater e responder aos problemas mais sensíveis que os atingem. Chamamos a todos os interessados a se somar ao nosso Núcleo.

Rafael Borges Barbosa Santos Direito Unesp- Franca
Membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

A TORTURA AINDA VIVE NOS QUARTEIS BRASILEIROS

No mesmo momento em que figuras do alto escalão do Exército brasileiro, cinicamente, pedem para que esqueçamos das torturas e dos horrendos crimes que estes mesmos cometeram durante a ditadura militar e que não deve ser feita nenhuma discussão a cerca da punição dos agentes torturadores, vem a público mais um exemplo de que o método de tortura não é algo do passado, mas sim uma política sistemática que os órgãos repressivos do Estado ainda levam a cabo. Um jovem de 16 anos, que pulou o muro de um terreno do exército no Rio de Janeiro, foi preso no mesmo local e torturado com choques, queimaduras e agressões físicas. Segundo o hospital que o atendeu, o rapaz sofreu queimaduras de 1° e 2° grau, possivelmente causada por um certo tipo de ácido, e corre o risco de ficar cego.
Os mesmos generais, coronéis e oficiais que torturavam militantes de esquerda e trabalhadores no passado mostram, dessa forma, que continuam na ativa, muitas vezes realizando chacinas nas favelas e reprimindo os movimentos sociais. A "missão" institucional do exército, prevista na Constituição Federal, mais uma vez ficou manchada de sangue com os reais objetivos do exército: A repressão e manutenção da ordem burguesa.

Até agora, o governo Lula e o PT, outrora defensores dos direitos humanos, não se manifestaram sobre o caso. E nem o farão, pois vêem esses militares torturadores como aliados políticos e assim como eles também estão comprometidos com manutenção da ordem dos ricos. Nós do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (UNESP FRANCA) chamamos todas as organizações de defesa dos direitos humanos, movimentos sociais e partidos de esquerda a repudiar de maneira veemente tal crime bárbaro. Exijamos a punição dos executores e também dos oficiais mandantes.

Para nós essa luta deve estar ligada com uma ampla campanha contra a "repressão de ontem e hoje". Ou seja, que exijamos uma investigação e punição a todos os crimes que o exército, a polícia e outros órgãos do estado cometeram durante o regime militar, assim como também dos crimes que essas mesmas instituições seguem cometendo contra a classe trabalhadora e o povo pobre.


Investigação e Punição de todos os militares, executores e mandantes, envolvidos nesse caso de tortura! Punição a todos os militares que torturaram no regime militar! Por uma ampla campanha em defesa dos direitos humanos da classe trabalhadora e do povo pobre!


NÚCLEO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS - UNESP FRANCA

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

A Crise Econômica e o papel dos Direitos Humanos


O coração do capitalismo parou de bater?


Já não se trata de um simples susto, mas sim de um pânico geral. É assim que podemos resumir os efeitos da atual crise econômica. O que deveria ser, nas palavras dos analistas à serviço do capital, apenas uma queda normal das ações do setor imobiliário norte americano, já se alastrou para o mercado financeiro de toda a Europa, Ásia e América Latina, e já começa a afetar a economia real, com desemprego e queda na produção de alguns ramos.


Em apenas algumas semanas os dogmas neoliberais e de auto-regulamentação do mercado, que predominaram por toda a década de 90, começaram a ruir. Os que outrora discursavam a cerca do fim da História, do capitalismo como único regime possível e do fim da classe trabalhadora aparecem agora, de maneira tímida, tentando se justificarem. Outros preferem admitir seus equívocos e agora são ferrenhos defensores das doutrinas intervencionistas, principalmente do keynesianismo, como única forma de salvar o capitalismo.


Desse modo, nos últimos dias, governos de todo o mundo desesperadamente tentam tomar medidas e ações para aplacar os efeitos da crise. Talvez o exemplo mais emblemático seja o pacote de ajuda aos bancos que o governo norte-americano aprovou. Depois de uma crise política e racha dentro dos próprios partidos democrata e republicano, o presidente Bush conseguiu a liberação de 700 bilhões de dólares que serão utilizados para a compra de ações dos bancos que estão a beira da falência. É sempre importante lembrar que tal pacote de ajuda aos bancos se dá num marco onde o nível de desemprego bate recordes nos EUA, os trabalhadores perdem suas moradias e mais fábricas anunciam demissões. Ou seja, enquanto os trabalhadores norte americanos sofrem no dia-dia com a crise, o governo utiliza o dinheiro público para encher os bolsos dos banqueiros. E tudo isso feito sob a estrita observância do ordenamento jurídico, mostrando bem, dessa forma, a qual interesse a legalidade e as normas jurídicas servem.


E no Brasil, o que os trabalhadores e o povo pobre devem esperar?


As declarações do presidente Lula de que o Brasil está blindado da crise já se mostraram uma falácia. Puxada pela forte queda das bolsas norte americanas e européias, a Bolsa de São Paula (Bovespa) teve nos últimos dias os piores desempenhos de sua história. Foi, com toda certeza, uma pequena amostra de que não só o Brasil, mas todo o mundo, ainda é refém do maior mercado consumidor do mundo, os EUA.


Mas os efeitos da crise no Brasil não se restringem a queda na bolsa de valores, pois setores da economia real aqui também já demonstram suas debilidades. E a primeira região que foi afetada é a Zona Franca de Manaus, onde centenas de operários acabaram de ser demitidos. Além disso, várias montadoras de veículos da região do ABC já anunciaram férias coletivas, pois a produção anda baixa com a falta de crédito para a compra de veículos. Ainda não se sabe ao certo, mas ao que tudo indica, as filiais brasileiras deverão seguir o exemplo das espanholas e começar a demitir para cortar custos e se prepara para a crise.


O governo brasileiro, superando a fase do discurso da “blindagem”, também acaba de anunciar um pacote de ajuda aos bancos. Serão R$ 100 bilhões de reais destinados a aumentar a fluidez dos mercados financeiros e a ajudar bancos que estiverem com problemas. Tal verba, proveniente dos tributos pago pelos trabalhadores, é uma quantia bem a cima dos 13 bilhões que Lula reserva ao seu principal programa social, o Bolsa Família. Essa é a matemática do governo, migalhas à população pobre e somas estratosféricas aos banqueiros e especuladores.


A classe trabalhadora e povo pobre devem se preparar para tempos difíceis. O desemprego deve aumentar com as demissões em massa, o nível de exploração dentro das fábricas também, pois os patrões vão querer “acelerar as esteiras” para manterem seus lucros. No campo, cada vez mais incentivos ao Agronegócio em detrimento dos pequenos camponeses pobres. E com certeza cada vez mais os programas sociais e auxílios do Estado devem diminuir, pois o governo já mostrou que está bem disposto, se for preciso, a tirar o pouco dos pobres para garantir a fortuna dos ricos.


As reformas que visam retirar direitos (trabalhista, tributária e previdenciária) também só tendem a ser aceleradas. No campo do direito penal leis mais severas cujo objetivo é punir a juventude negra e pobre e esconder os reais motivos da violência e da criminalidade, também deverão ter suas aprovações aceleradas, garantindo, dessa forma, carta branca para que a polícia continue exercendo sua política de extermínio.


A educação e saúde pública, hoje já tão defasadas, cada vez mais ficarão secundarizadas, pois na visão do governo e dos empresários significam um mero gasto do dinheiro público e não um elementar direito do povo. Os capitalistas, para se salvarem da crise, estão dispostos a rasgar a Constituição brasileira e junto com ela os mínimos direitos da classe trabalhadora.


Defender os Direitos Humanos para que a crise não caia nas costas dos trabalhadores!




É nesse cenário que a luta pelos direitos humanos se mostra de extrema importância. Os direitos humanos, desde um ponto de vista da classe trabalhadora e do povo pobre, deve servir para auxiliar na luta contra a retirada dos direitos dos trabalhadores e contra a carestia de vida, que no contexto da crise econômica só tende a piorar.


Não podemos deixar que os empresários descarreguem nas costas dos trabalhadores e pobres os efeitos da crise causada por sua própria ganância. Não podemos aceitar que os capitalistas, passando por cima de todos os preceitos previstos nas normas que eles próprios redigem e aprovam, demitam em massa colocando milhares de trabalhadores nas ruas.


Sabemos, no entanto, que a classe trabalhadora não ficará passiva assistindo uma série de demissões, vendo seus salários se desvalorizarem e a polícia matar seus filhos. Mas ao se colocarem em luta os trabalhadores deverão se enfrentar com todo o tipo de repressão e violência por parte dos capitalistas, seja jurídica, política e principalmente física. È justamente nesse momento que os direitos humanos cumprem um papel fundamental contra a criminalização daqueles que lutam, fazem greves, ocupam terras e fábricas como única forma de sobreviver.


Defender os direitos humanos significa colocar todos os estudantes e profissionais que militam na área na perspectiva de solidariedade a todas as lutas da classe trabalhadora e do povo pobre, colocando nosso conhecimento técnico, teórico e prático para que não se recuem nos direitos e para que nenhum lutador do povo seja punido.

Os Direitos Humanos, os crimes da ditadura e o papel da esquerda.


“Por cada companheiro caído, não um minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!”

Há alguns dias vem ganhando destaque na mídia a discussão a cerca da punição dos crimes cometidos pela ditadura militar. O debate ganhou fôlego depois das declarações feitas pelo ministro da justiça, Tarso Genro, e pelo secretário especial de direitos humanos, Paulo Vanucchi, que defenderam a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos durante o regime de exceção. No entanto, se apressaram em dizer que esse tema não deve ser prioridade para o executivo, o que já sinaliza a posição bem clara de Lula e dos demais membros do governo federal do PT de não tomar nenhuma medida para a punição dos bárbaros crimes cometidos contra estudantes, trabalhadores e militantes naquela época.

O regime militar brasileiro, iniciado em abril de 1964, se coloca no marco da ofensiva de determinados setores da burguesia brasileira, ligados diretamente com o imperialismo norte americano, contra as crescentes mobilizações da classe trabalhadora e do povo pobre em geral. Por mais de 20 anos o regime ditatorial perseguiu, torturou e matou milhares de pessoas. Em 1968 atingiu seu ápice totalitário com a decretação do ato institucional n° 5, que entre a eliminação de muitas garantias democráticas, fechou o Congresso e cassou uma série de políticos por serem considerados “progressistas”.

Durante todo esse período a classe operária, encabeçando o povo oprimido de conjunto, se colocou na luta contra esse regime. Primeiramente, se expressava na luta contra a política de arrocho salarial e por melhores condições de trabalho. As combativas greves de 68 em Osasco-SP e Contagem - MG são exemplos da radicalidade e disposição de luta dos trabalhadores nesse período. Era freqüente a palavra de ordem: “Abaixo a ditadura, o povo no poder”, que demonstra que os trabalhadores tinham a consciência de que era precisa colocar aquele regime abaixo e sob suas ruínas a construção de um poder operário e popular baseado nas combativas formas de auto-organização da classe trabalhadora que nasciam naquele momento. Mais tarde, já no final da década de 70, os combativos metalúrgicos de São Paulo e do ABC paulista protagonizarão massivas greves e manifestações, que assim como 68, começavam por demandas econômicas. Infelizmente, pelo papel que suas direções sindicais e políticas cumpriram, esses trabalhadores não puderam avançar até o patamar de um enfrentamento direto com o regime totalitário e na construção de uma verdadeira democracia dos trabalhadores. Vale destacar aqui o papel nefasto dos sindicalistas autênticos (que tinha em Lula sua maior figura) que não apoiavam a nascente auto-organização espontânea dos operários através das chamadas comissões de fábrica e lutaram até o final para eliminá-las, com o cínico argumento de que as comissões se contrapunham ao nascente sindicalismo. Esses sindicalistas, muitas vezes ovacionados por grande parte da esquerda, também impediam que a palavra de ordem “abaixo a ditadura” voltasse a se expressar, ao contrário, aumentavam as ilusões dos trabalhadores em uma constituinte democrática e cidadã dentro limites da legalidade burguesa.

Dessa forma foi se desenhando o que chamamos de “transição pactuada, lenta e gradual” para o regime político democrático burguês. A Lei n° 6.683 de 1979, conhecida como lei de anistia, foi expressão dessa transição pactuada. A grande maioria da esquerda naquele momento aceitou, ao invés de se apoiar nas lutas diretas da classe trabalhadora, em pactuar um acordo com os generais e a burguesia para colocar no mesmo patamar honestos militantes de esquerda que lutavam contra a ditadura com os militares assassinos e torturadores, anistiando-os todos. A lei de anistia encarna a própria política de traição das direções do movimento de massa e também a adaptação de grande parte da dita esquerda revolucionária a esta política.

O novo “velho” Regime que se iniciaria mais tarde teria a nova Constituição Federal (CF) de 1988 como pilar de sustentação, constituição essa que assim como todas as anteriores garante a propriedade privada e transforma os poucos direitos fundamentais no que chamamos de princípios programáticos, ou seja, direitos progressistas que estão na constituição, mas não tem nenhuma eficácia imediata, e que por tanto nenhum trabalhador pode os reivindicá-los no âmbito da justiça. Ao contrário da esquerda reformista, que insiste no discurso vulgar e leviano de que a CF 88 é um avanço e fruto do que era possível de se lutar naquele momento, achamos que ela expressa as traições das direções do movimento de massa e sua conseqüente subordinação aos mecanismos democráticos burgueses. É nesse marco que devemos compreender a luta pela punição aos crimes da ditadura. Trata-se de um direito democrático elementar da população brasileira que simplesmente foi “vendido” pela esquerda petista em troca de um lugar no novo regime político e algumas cadeiras no parlamento.

É preciso compreender a luta pelos direitos humanos desde um ponto de vista classista e tático, ou seja, os direitos humanos pelos quais lutamos vai muito além dos velhos preceitos escritos na revolução francesa e mais tarde repetidos pela carta de declaração dos direitos humanos das Nações Unidas, em 1948. Quando a luta pelos direitos humanos se reduz aos limites da legalidade e na atuação através de ações no judiciário fica desprovida de qualquer conteúdo e passa a ser mais uma válvula que alimenta as ilusões na justiça burguesa. Nesse caso vale um velho princípio do processo civil que diz que o Juiz não pode mover uma ação de ofício, ou seja, por conta própria, é preciso que haja manifestação da parte. Por tanto cabe as organizações, movimentos sociais e partidos de esquerda garantir essa manifestação. O caráter tático do direito nesse campo é importante para a fundamentação e a garantia dos trâmites processuais, todavia a certeza da punição dos torturadores só estará completa quando a classe trabalhadora e povo pobre, com seus próprios métodos de luta e organização, se colocar a frente de massivas mobilizações nas ruas, fábricas e universidades, de maneira independente de todos os setores burgueses que cinicamente dizem defender os direitos humanos. Vale lembrar que todos os julgamentos que condenaram os genocidas do regime militar na Argentina, país latino americano mais avançado nesse quesito, se iniciaram a partir de ações judiciais, mas só se desenvolveram e lograram sucesso com a mobilização popular massiva.

Não podemos também ficar a mercê de setores reformistas, como Tarso e Vanucchi, que defendem a punição com o fundamento de que as torturas foram crimes comuns que desrespeitaram o próprio ordenamento jurídico do regime militar. Aceitar isso significa ser complacente com a legalidade ditatorial e não compreender que essa política de extermínio era proveniente do próprio Estado e era funcional ao regime daquele momento. É por isso que é necessário punir todos os participantes desses atos horrendos, desde os executores aos mais altos generais que comandavam as operações, desde um ponto de vista de que foram crimes de genocídio e contra a humanidade, garantindo uma ferrenha punição e cárcere comum aos torturadores. Muitos desses coronéis e militares assassinos continuam atuando até hoje, são os mesmos que comandam as operações que assassinam a juventude pobre e negra nas periferias brasileiras. Também não podemos esquecer que por trás dos militares estava a burguesia que patrocinava e acobertava os crimes. Esses empresários e empresas continuam até hoje lucrando e seguem impunes. A “Rede Globo de televisão”, o jornal “ O Estado de S.Paulo”, algumas montadoras de automóveis do ABC, entre muitas empresas, são exemplos disso. É necessário punir essas empresas e expropriar seus bens para garantir a indenização aos familiares dos presos políticos. Nos marcos da lei de anistia isso é impossível, por isso, também lutamos pela sua revogação, pois não podemos conviver sob a base dessa lei que representa o pacto com os torturadores. Reiteramos que apenas a mobilização da classe trabalhadora e do povo, de maneira independente, poderá garantir punição a todos os genocidas, torturadores e seus cúmplices capitalistas.

Nesse sentido, fazemos um chamado ao NEDA, à organização Consulta Popular, ao NATRA e à todas as entidades estudantis da UNESP Franca para uma ampla campanha para propagandear o tema e que exija a punição aos crimes cometidos pela ditadura militar, colocando-os no seu verdadeiro lugar, como crimes de genocídio e contra a humanidade.

Rafael Borges 4° ano direito diurno
Militante da Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional (LER-QI) e membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Unesp-Franca.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

A justiça para os ricos!

Há algumas semanas a imprensa deu enorme enfoque para uma operação da Polícia Federal- Operação Satiagraha- que culminou na prisão do ex-banqueiro Daniel Dantas. Não era para menos, pois num país onde a polícia e a justiça cotidianamente persegue e extermina trabalhadores, pobres e negros, fatos como a prisão do ex-banqueiro se tornam inéditos. O governo Lula, obviamente, tratou de dizer que durante seu mandato o combate à corrupção e aos “crimes de colarinho branco” cada vez mais se intensificam.

Todavia, uma leitura mais atenta do quadro político e jurídico nacional nos mostra uma realidade bem diferente do discurso de Lula. Para além dos “shows” da polícia federal, a grande maioria dos políticos e empresários presos nas operações já se encontram livres e de volta às suas vidas de luxo e ostentação. A justiça é sempre ágil e eficiente quando se trata de liberar e absolver os ricos.


Foi exatamente com a prisão de Dantas que se cristalizou um exemplo cabal de que a justiça está até o seu limite comprometida com a classe dominante. Dois dias depois de sua prisão, o ex banqueiro, que está sendo acusado de crimes de lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas, formação de quadrilha e tráfico de influência para a obtenção de informações privilegiadas em operações financeiras, acabou sendo solto por conta de um habeas corpus concedido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pois este considerava sua prisão “desnecessária”. Justamente Mendes que quando assumiu a presidência do STF se apressou em hostilizar os movimentos de trabalhadores rurais sem terra, demonstrou que o mais alto órgão do poder Judiciário brasileiro e seu presidente estarão sempre dispostos a colocar em liberdades banqueiros corruptos e, ao contrário, criminalizar trabalhadores que lutam por mínimos direitos democráticos, como a reforma agrária.


Um dia depois, a prisão preventiva de Dantas foi mais uma vez expedida pela 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, e mais uma vez mostrando sua eficiência na liberação de banqueiros corruptos, o presidente do STF concedeu novamente o habeas corpus para Dantas. É importante salientar que no segundo habeas corpus e soltura de Dantas, o ministro Gilmar Mendes suprimiu duas instâncias, ou seja, desconsiderou o Tribunal Regional Federal (TRF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em outras palavras, rasgou a Constituição da República. O habeas Corpus é um remédio constitucional quando alguém sofre ou se acha ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. O ordenamento jurídico,todavia, prevê que inicialmente o Habeas Corpus seja apreciado por um juiz federal. Se o juiz federal denegar a ordem, outro habeas corpus deve ser proposto junto ao Tribunal Regional Federal. No caso de insucesso, deve-se impetrar outro pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Caso denegado, o último degrau será o STF, que aprecia a ilegalidade do tribunal inferior.A decisão liberatória de Daniel Dantas, proferida no segundo habeas corpus e em sede liminar (caráter de urgência) pelo ministro Mendes, está maculada com o vício da incompetência e é manifestamente nula. Como partiu da presidência do Supremo Tribunal Federal, acabou cumprida. È um exemplo cabal de que quando se trata de ricos e poderosos, os ministros do STF, que aliás são indicados pelo Presidente da República, e a justiça em geral, estão dispostos a descumprirem as leis escritas pelos próprios ricos e poderosos.



Os trabalhadores e pobres não devem confiar na justiça dos ricos. Primeiro, por que o judiciário é formada por leis e mecanismos jurídicos provenientes do Congresso corrupto e funcional aos interesses da burguesia, e também por que os juízes já deixaram claro de que lado estão. Devemos confiar apenas na própria força dos trabalhadores, utilizando os sindicatos combativos, organizações de direitos humanos e organizações políticas como instrumento de mobilização e também para garantir investigações independentes da justiça burguesa.



O Estado “policialesco” e o cinismo de Gilmar Mendes.


Passada a operação da Polícia Federal - Satiagraha- surge agora um novo debate no cenário político – jurídico brasileiro. A Agência Brasileira de Inteligência está sendo acusada de realizar grampos de escuta telefônica no gabinete de Gilmar Mendes sem a autorização da justiça – o que no Brasil é ilegal. Porém, o fato mais intrigante de toda essa novela de acusações, foi a declaração do ministro Mendes que disse: “Parece ser a instauração de um estado policialesco no Brasil...”. O cinismo de Mendes parece não ter limite. Esconde que o “estado policialesco” é essência intrínseca ao Estado democrático de Direito, ou seja, o Estado Burguês.


Não é difícil chegar a essa conclusão, basta vermos o número de chacinas e massacres realizados cotidianamente pela polícia nas grande metrópoles e também no campo. Massacres como o do morro do alemão no RJ, onde 19 pessoas foram torturadas e mortas por policiais, ou casos como o do morro da providência, onde militares do exército entregaram três jovens para serem assassinados por uma facção rival, mostram claramente a escalada de violência do Estado contra os pobre e trabalhadores. Dados da Anistia Internacional mostram que só a polícia carioca matou 1260 pessoas em 2007, e a previsão é que esse número aumente 11% em 2008!.


Se o grampo instaura só agora um estado policialesco como então o ministro Gilmar Mendes caracterizaria fatos como o massacre dos Carajás, onde 19 trabalhadores rurais foram mortos por policias sem que ninguém seja punido depois de dez anos do fato ocorrido?


Ou então do menino de 14 anos que foi torturado até a morte por policiais dentro do seu próprio quarto na cidade de Bauru, no interior de SP. Ou como o do comandante da policia do Rio que deu uma declaração fascista ao dizer que o BOPE é o inseticida social do RJ?


O Fato é que o cinismo de Mendes encarna bem a definição de Direitos Humanos para os ricos e poderosos. O extermínio de trabalhadores e pobres não significa nada para estes políticos, juízes, militares e empresários.


É por isso que não encaramos os Direitos Humanos do ponto de vista da burguesia e do Estado, pelo contrário, achamos que é fundamental o papel de juristas que utilizem os mecanismos jurídicos contra a criminalização dos movimentos socais e da classe trabalhadora, que lutem pela expansão dos direitos e garantias fundamentais, mas que sejam conscientes do limite do direito, e batalhem para que a classe trabalhadora e o povo pobre tomem em suas mãos a luta pelos direitos humanos. Só assim, através de mobilizações operárias e investigações independentes do Estado e de todos os setores da burguesia, e com o auxílio de juristas comprometidos com a luta dos trabalhadores, será possível levar a frente as demandas democráticas e os direitos humanos.


Faça parte do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos


O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos inicia-se seus trabalhos na Unesp Franca na perspectiva de estudar, debater e responder aos problemas mais sensíveis da classe trabalhadora e do povo pobre. Debatendo os Direitos Humanos desde um ponto de vista da própria classe trabalhadora.


Chamamos a todos os estudantes e profissionais do Direito que estejam dispostos a colocarem seus conhecimentos jurídicos em defesa das lutas e direitos dos trabalhadores a nos ajudarem na tarefa de construção do Núcleo.


Rafael Borges
Discente do 4° ano de Direito da Unesp
Membro do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos
Militante da Liga Estratégia Revolucionária-Quarta Internacional